Por Jorge Henrique Barro
Se a atividade pastoral tem a mesma forma e modelo para todos os lugares, ela torna repetitiva e imitativa. O alvo é ser autóctone porque ela é uma resposta ao seu próprio contexto. Isto é o que acontece no Antigo Testamento. Por exemplo, quando José estava no Egito, ele desenvolveu uma pastoral com um estilo administrativo. Quando o povo de Deus estava vivendo como escravos no Egito, Moisés tem que desenvolver uma pastoral de libertação. Ester desenvolveu uma pastoral em busca de conquista, promoção e defesa dos direitos civis. Ezequiel teve que desenvolver uma pastoral política em tempos de crise. Esses exemplos demonstram a necessidade e importância de desenvolvermos uma pastoral que seja relevante ao seu contexto atual. A pastoral só será relevante, criativa e efetiva se for contextual.
Em segundo lugar, a práxis pastoral no Antigo Testamento é uma resposta a missão de Deus. É uma resposta porque Deus age primeiro. Neste sentido, pastoral no Antigo Testamento é pastoral a caminho -- em movimento, seguindo a ação de Deus. Paul Hiebert (1985, p. 295). disse que a "ação missionária é primeiramente e acima de tudo o trabalho do próprio Deus". Deus é o pastor que lidera seu próprio povo. Se ele envie seu povo ao Egito, ao deserto, ao Cativeiro Babilônico, ou qualquer outro lugar, a atividade pastoral deve ser uma responsável resposta ao agir e controle de Deus. Isso significa submissão ao seu comando e autoridade. Deus é o primeiro interessado em salvar o mundo. A missão é dele porque Ele deu seu único Filho em favor do mundo, para morrer na cruz. Na história de Israel nós vemos diferentes estilos usados por Deus para alcançar a mesma missão. Por exemplo, Deus fez uso do sistema patriarcal, sistema sacerdotal, sistema real e sistema profético como diferentes estilos para cumprir a mesma missão, de alcançar todos os povos da terra.
Neste estudo, focalizaremos um tempo e lugar particular do povo Deus. Focalizaremos o ministério de Moisés e sua tarefa de um agente de libertação e missão. Seria um grande erro estudar a pastoral de Moisés sem a perspectiva da missão. A partir daí sugerir algumas ações pastorais para a nossa própria caminhada.
Nesse momento é crucial perguntarmos, "Qual é o contexto deste particular tempo e lugar do povo de Deus?" Para responder essa pergunta, precisamos voltar ao livro de Gênesis. Deus criou o homem e a mulher (masculino e feminino) em sua própria imagem, os abençoou e os Deus um comando específico, "Sejam fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1:28). Mesmo que existam alguns problemas na conexão histórica entre Gênesis e Êxodo, nós podemos ver algumas relações entre ambos. Em êxodo nós encontramos a fidelidade de Deus para com seus próprios comandos dados em Gênesis. Em Êxodo 1:7 diz que "os filhos de Israel foram fecundos, e aumentaram muito, e se multiplicaram, e grandemente se fortaleceram, de maneira que a terra se encheu deles". Quando Deus dá um comando, ao mesmo tempo Ele providencia ao seu povo s ferramentas necessárias e os equipa para cumprir suas ordenanças.
Esta multiplicação e aumento, contudo, tornou-se um problema. Um problema em duas áreas: interna e externa. A interna é que o povo se tornou numeroso, e consequentemente, visível. O mesmo problema havia sido experimentado por Abraão, Isaque e Jacó (Gn 18:18; 28:14). Eles tornaram-se tão poderosos que foram “convidados” para sair da terra. O problema externo é que Israel estava tornando-se um povo. O novo rei que não conhecia José assumiu o poder no Egito. Ele disse ao seu povo: “Eis que o povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós. Eia, usemos de astúcia para com ele, para que não se multiplique, e seja o caso que, vindo guerra, ele se ajunte com os nossos inimigos, peleje contra nós e sai da terra” (Êx 1:9-10).
Neste momento nós podemos ver o contexto sociopolítico no qual Moisés foi chamado para ser líder. O problema fatual sociopolítico aqui era um conflito de classe – Israelitas (classe dominada) versos Nós (classe dominante) (Êx 1:9). É agora um conflito entre duas nações: Israel e Egito. É um conflito entre uma sociedade dominante urbana contra uma classe rural pobre e dominada. Israel estava vivendo fora do Egito, em um contexto de agrícola e trabalhadores rurais. David Filbeck (1985, p. 34) define uma sociedade camponesa como “uma sociedade dependente da elite ou dominante sociedade...Como uma sociedade, camponeses são dependentes da elite urbana que é econômica e politicamente mais poderosa”.
Quando os irmãos de José foram ao Egito, depois do dramático encontro com eles e seu velho pai, José os advertiu a dizer o seguinte a Faraó: “Os teus servos somos pastores de rebanho” (Gn 47:3). Faraó permitiu José conceder uma parte de Gósen aos seus irmãos. “Então, José estabeleceu a seu pai e a seus irmãos e lhes possessão na terra do Egito, no melhor da terra, na terra de Ramessés, como Faraó ordenara” (Gn 47:11). No meio desta história existe uma frase muito importante que não pode passar despercebida de nós, que diz: “todo pastor de rebanho é abominação para os egípcios” (Gn 46:34). A palavra abominável (em hebraico “Tow` ebah” - to-ay-baw’) tem muitos significados duros: detestável, repugnavável, infame, nauseante. Em outras palavras, ser pastor (de ovelha) era uma carreira despreza no Egito. A questão central era: por que todo pastor de rebanho era abominado para os egípcios? Era porque existiam diferenças culturais. Israel possuía um estilo de vida rural. Os egípcios possuíam um estilo de vida em sociedade de classe urbana. Ser um pastor era ter um estilo de vida rural, consequentemente, uma carreira rude para um povo rude.
Qual era o problema por detrás das cortinas? É claro: poder e dominação. Poder e dominação são as raízes das muitas injustiças e opressões no mundo.
A guerra prevista pelo rei como uma ameaça não é uma guerra para a destruição do “nós” em nosso texto, mas uma guerra da libertação, uma guerra para escapar do país. Isto é intolerável aos olhos do rei e seus associados, e eles decidiram tomar medidas necessárias (PIXLEY, 1987, p. 3).
“As medidas necessárias” do novo rei, como Pixley diz, foram severas opressões para controlar o crescimento de Israel. A opressão do rei teve três fazes monstruosas. Primeira, a face da exploração. Ele colocou sobre eles “feitores [mestres] de obras, para os afligirem com suas cargas. E os israelitas edificaram a Faraó as cidades-celeiros, Pitom e Ramessés” (Êx 1:11). Mas isso não funcionou – quanto mais opressos eles eram, tanto mais eles se multiplicavam e espalhavam. Segunda, a face da selvageria. Os egípcios, “com tirania, faziam servir os filhos de Israel e lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro, e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o serviço em que na tirania os serviam” (Êx 1:13-14. Terceira, a face do genocídio. Agora, o rei deu sua última e decisiva ordem para as parteiras hebreias Sifrá e Puá: “Quando servirdes de parteira às hebreias, examinai: se for filho, matai-o; mas se for filha, que viva” (Êx 1:16). As parteiras, contudo, temeram a Deus e não fizeram o que o rei havia ordenado, deixando os meninos viverem. Como resultado do temor delas a Deus, “o povo aumentou e se tornou muito forte” (Êx 1:20). Jorge Pixley (1987, p. 5) afirma que “o conflito entre o faraó e os israelitas começou a tomar lugar como um conflito entre vida e morte”.
O objetivo deste estudo é pastoral. “O livro de Êxodo pode ser entendido como uma literatura, pastoral, litúrgico, e uma resposta teológica para uma crise aguda” (BRUEGGEMAN, 1994, p. 680) (itálico meu). É meu propósito entender o livro de Êxodo como uma resposta pastoral para as necessidades dos israelitas. Para este propósito, eu sugiro quatro características pastorais no livro de Êxodo encontradas na ação de Deus através do trabalho de Moisés. Deus chamou Moisés para ser o líder, o pastor de Israel, para guiá-los num relacionamento pessoal com Ele. É nossa tarefa, primeiramente, entender o chamado de Moisés. Em seu chamado, Moisés teve uma profunda crise, que veremos a seguir.
1. O chamado e suas crises
Cada chamado exige uma resposta. A resposta pode ser positiva ou negativa. Entre o chamado e a resposta existe um período-espaço de tempo no qual a pessoa chama e a chamada desenvolve um relacionamento que envolve diálogo, incertezas, dúvidas, obediência, desobediência, medo, crises de identidade e talvez confrontação. Deus é que chama; Moisés é o chamado.
1.1. O chamado de Moisés
Deus chamou Moisés para ser Seu agente em uma situação e contexto muito específico. Sua vocação era uma resposta tanto a Deus como para Seu povo. Existiam pelo menos dois aspectos para este chamado. Primeiro, Deus estava consciente do sofrimento de Israel. Segundo, os israelitas clamaram e choraram Moisés com isso sofria. Assim, havia uma dimensão divina como também uma dimensão humana.
Deus disse à Moisés, “Pois o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo” (Êx 3:9). Deus é Deus de misericórdia e compaixão. Havia um povo oprimido que precisa ser libertado. É neste contexto que Deus chama Moisés para ser Seu agente para libertar Seu povo. Quando Deus chamou Moisés, Ele disse, “Vem, agora, e eu te enviarei a Faraó, para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito” (Êx 3:10). Facilmente inferimos três movimentos neste verso:
1. A indignação de Deus: “Vem, agora” significa “chega, basta, não mais opressão, é tempo de acabar com essa opressão”.
2. A resposta de Deus: “e eu te enviarei a Faraó”. Moisés é o agente de Deus para libertar Seu povo.
3. O propósito do chamado de Moisés: “para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito”
Parafraseando a intenção de Deus neste verso, podemos dizer, “Eu estou vendo a situação do meu povo no Egito. Eu não quero que eles sofram mais. Então, vem agora Moisés para ser o meu agente para libertar meu povo desta opressão. Moisés, vá a Faraó e diga a ele o meu propósito para o meu povo”.
Quase todo chamado e vocação surge em meios a crises. Por exemplo, Jonas, Jeremias, Timóteo e outras pessoas experimentaram crises em seus chamados. Muitos pastores(as), missionários(as), seminaristas, profissionais liberais, passam por crises. Moisés não é diferente neste processo. De fato, Moisés não ajuda a compreender o processo da crise em seu chamado. Fácil é julgar Moisés na maneira como objetou ao chamado de Deus. Nós precisamos levar em consideração que:
Moisés não havia vivido com o povo oprimido no Egito. Ele era publicamente conhecido como a filho da filha de faraó, que havia vivido no palácio real, e que estava ausente do país por um longo período, vivendo como um exilado em Midiã. É natural que ele perguntasse se os israelitas iriam aceitá-lo como um profeta de Deus (PIXLEY, 1987, p. 20).
Tendo isto em mente, vamos ver os cinco estágios da crise no processo do chamado de Moisés.
1.1.1. A crise de identidade pessoal
“Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel?” (Êx 3:11)
“Quem sou eu” significa “eu sou uma pessoa simples e comum”. Moisés tem um sentimento, que comparado com os outros, ele não é qualificado para esta missão. “Quem sou eu?” é também é também uma experiência de medo. Para ele, Faraó é muito poderoso e ele o conhecia muito bem porque havia vivido em sua casa. “Quem sou eu?” é o início de cada vocação pastoral. É o confronto com a nossa própria identidade e personalidade. É o encontro conosco mesmo e com nossa finitude. É ainda o confronto com a nossa incapacidade para fazer as coisas acontecerem. Nós geralmente pensamos que somos mais poderosos do que realmente somos, mas quando vemos a realidade, percebemos que não somos tão poderosos como pensamos que seríamos. Muitos pastores(as) e missionários(as) já passaram por essa experiência. Antes do chamado julgavam-se aptos e prontos. Depois do chamado, a inevitável pergunta: “eu Senhor, tem certeza?”.
A resposta de Deus a pergunta de Moisés “quem sou eu?” Ele disse, “Eu serei contigo; e este será o sinal de que te enviei: depois de haveres tirado o povo do Egito, servireis a Deus neste monte” (Êx 3:12). A resposta de Deus ao questionamento de Moisés é um sinal, o qual é Sua própria presença (“Eu serei contigo”). Deus estava tentando comunicar a Moisés que Sua presença, como um sinal, iria mostrar a faraó que Ele o havia enviado até ele. Em outras palavras, Moisés seria o agente humano, mas de fato Deus está por detrás da cena. Não convencido, acordo não fechado, surge a segunda crise.
1.1.2. A crise de identidade de Deus e do povo
“Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? (Êx 3:13).
O segundo aspecto da crise de Moisés é sobre Deus como também seu povo. O foco agora sai de si próprio e volta-se para Deus e o povo. Se a primeira crise a pergunta crítica foi “quem sou eu?”, na Segunda crise a pergunta crítica é “quem é você?” A crise de Moisés neste momento não está mais conectada a faraó, mas a Deus e Seu povo. Moisés está dizendo a Deus: “suponhamos que eu vá ao povo israelita”. Moisés havia crescido dentro do palácio. Ele não tinha tido contato com os israelitas. De fato, ele era um estranho para eles. Isso é que esta por detrás da questão, “Eis que (suponhamos que eu vá), quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? (Êx 3:13). O problema de Moisés era sobre a identidade de Deus. Quando ele pergunta “qual é o seu nome” ele na verdade, com sinceridade, estava perguntando “quem é você?” O nome era crucial para a identidade da pessoa. O livro de êxodo não nos fala nada sobre o relacionamento entre Moisés Deus durante sua vida no palácio. Isto provavelmente demonstra que Moisés tinha poucas ideias a respeito de Deus, IAHWEH. Como poderia ele aceitar uma missão vinda de Deus se ele não conhecia quase nada a respeito desse Deus. Assim, sua pergunta é lógica – “você, que está me enviando para esta missão, quem é você?” Não vejo aqui uma atitude de descrédito, refutando a autoridade de Deus. Parece que Deus sabe da importância deste momento e Sua resposta foi longa, no sentido de persuadi-lo:
"Nesta resposta nós encontramos pelo três questões importantes. Primeira, pela primeira vez Deus definiu-se a si mesmo para Moisés – “Eu Sou o que Sou”. Segunda, Deus fornece a Moisés uma ponte – “O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós outros; este é o meu nome eternamente, e assim serei lembrado de geração em geração” (Êx 3:15). Esta ponte mostraria que Moisés estava conectado com Israel, Terceiro, Deus fornece a Moisés uma instrução específica sobre a liderança e tradição de Israel – “Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me apareceu dizendo: Em verdade vos tenho visitado e visto o que vos tem sido feito no Egito” (Êx 3:16). Agora Moisés está preparado para ir e superar a crise sobre Deus e Seu povo. Moisés sabe que Deus é “Eu Sou”. Ele também sabe como estar conectado com o povo e com se relacionar com a liderança (anciãos) de Israel. Ele está preparado para ir, mas a terceira crise explode".
1.1.3. A crise de autoridade pessoal
“Respondeu Moisés: Mas eis que não crerão, nem acudirão à minha voz, pois dirão: O Senhor não te apareceu” (Êx 4:1).
O elemento central nesta terceira crise diz respeito as “credenciais.” O que o Moisés está perguntando agora é uma mais vez lógico. Sua inquietação pessoal é sobre as credenciais para ser o agente de Deus. Em outras palavras, ele está pedindo por credibilidade, aceitabilidade, probidade (confiabilidade) para esta tarefa. O problema de Moisés era “E se eles não acreditarem em mim ou não derem ouvidos às minhas palavras e ainda digam, ‘O senhor não te apareceu coisa nenhuma’. Na última crise, nós vimos que Deus disse para Moisés: “Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me apareceu dizendo...” (Êx 3:16). ). Mesmo que Deus tenha dado essas duras palavras para Moisés, não foi bastante para convencer Moisés que as pessoas prestariam atenção a ele. A inquietação de Moisés era: quais são minhas credenciais? Moisés queria algo que mostrasse que ele não estava mentindo e que ele tinha uma revelação especial para esta tarefa. Se o problema é revelação que possa trazer credibilidade para a sua missão, vejamos a resposta de Deus:
2 Ao que lhe perguntou o Senhor: Que é isso na tua mão. Disse Moisés: uma vara. 3 Ordenou-lhe o Senhor: Lança-a no chão. Ele a lançou no chão, e ela se tornou em cobra; e Moisés fugiu dela. 4 Então disse o Senhor a Moisés: Estende a mão e pega-lhe pela cauda (estendeu ele a mão e lhe pegou, e ela se tornou em vara na sua mão); 5 para que eles creiam que te apareceu o Senhor, o Deus de seus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. 6 Disse-lhe mais o Senhor: Mete agora a mão no seio. E meteu a mão no seio. E quando a tirou, eis que a mão estava leprosa, branca como a neve. 7 Disse-lhe ainda: Torna a meter a mão no seio. (E tornou a meter a mão no seio; depois tirou-a do seio, e eis que se tornara como o restante da sua carne.) 8 E sucederá que, se eles não te crerem, nem atentarem para o primeiro sinal, crerão ao segundo sinal. 9 E se ainda não crerem a estes dois sinais, nem ouvirem a tua voz, então tomarás da água do rio, e a derramarás sobre a terra seca; e a água que tomares do rio tornar-se-á em sangue sobre a terra seca.
Este sinal maravilhoso tinha o propósito de demonstrar ao povo que “te apareceu o Senhor, o Deus de seus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Êx 5:8). Se Moisés estava procurando uma “evidência (sinal) externa” para mostrar ao Israelitas que Deus havia aparecido para ele, finalmente ele tem agora. Mesmo que Moisés tenha em sua mão um poderoso cajado, como um instrumento do poder e ação de Deus, ele ainda não está convencido. Ele precisa de mais evidências e isto provoca mais uma crise.
1.1.4. A crise de inadequação-influência pessoal
“Então, disse Moisés ao Senhor: Ah! Senhor! Eu nunca fui eloquente, nem outrora, nem depois que falaste a teu servo; pois sou pesado de boca e pesado de língua” (Êx 4:10).
Neste momento Moisés vira-se para si mesmo. Ele apela para Deus em termos de sua inadequação-influência pessoal. Ele expressa duas realidades em sua vida. Primeira, ele nunca havia sido eloquente. Segunda, ele era fraco no discurso (boca e língua pesada). Moisés estava tentando convencer a Deus que ele não tinha condições alguma para realizar esta tarefa porque ele era fraco no falar, fraco diplomata ou um fraco orador para convencer Faraó. Moisés sabia que Faraó tinha uma forte função como político. Nesta arena, Moisés entende que é necessário ser um bom orador, falar rápido e claro. Quando Moisés diz, “Eu nunca fui eloquente, nem outrora, nem depois que falaste a teu servo", ele quer dizer, “não é agora que eu vou ser capaz de ser”. Moisés então pensa que finalmente teria sido o checkmate. Como pode Deus dizer algo contra uma incapacidade pessoal? Aquilo era um fato em sua vida e quem poderia mudar. A resposta de Deus para foi esta:
11 Ao que lhe replicou o Senhor: Quem faz a boca do homem? ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor? 12 Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar.
Nesta resposta para Moisés Deus esta dizendo que não nenhuma “incapacidade humana” que ele não possa reparar ou consertar. Deus é o criador, Moisés a criatura. Deus não somente iria ajudá-lo a falar, como também iria ensiná-lo sobre o que dizer. Deus é o Senhor, Moisés o servo. Assim, uma vez mais Deus chama Moisés para ir – Vai, pois, agora!” Moisés irá?
1.1.5. A crise do medo
“Ele, porém, respondeu: Ah! Senhor! Envia aquele que há de enviar, menos a mim” (Êx 4:13).
Esta foi a reação de Moisés: “envia qualquer outra pessoa para fazer isto”. Em outras palavras, envie outro para libertar o seu povo da escravidão. O problema real aqui é medo. Moisés parece não estar consciente de que Deus iria usá-lo para uma das mais importantes intervenções na história da humanidade – a ação de Deus iria ser demonstrada de forma poderosa na história e Moisés é convidado para participar ativamente como o agente de Deus. Mas Moisés estava tentando resistir. E ao medo de Moisés Deus responde assim:
14 Então se acendeu contra Moisés a ira do Senhor, e disse ele: Não é Arão, o levita, teu irmão? eu sei que ele pode falar bem. Eis que ele também te sai ao encontro, e vendo-te, se alegrará em seu coração. 15 Tu, pois, lhe falarás, e porás as palavras na sua boca; e eu serei com a tua boca e com a dele, e vos ensinarei o que haveis de fazer. 16 E ele falará por ti ao povo; assim ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus. 17 Tomarás, pois, na tua mão esta vara, com que hás de fazer os sinais.
A ira de Deus se ascende contra Moisés porque ele não é capaz de entender que havia um povo sofrendo no Egito e Moisés não consegue ver além dos seus medos. Mas se o problema é medo, então Deus providencia alguém muito especial para Moisés, seu próprio irmão. “Arão é apresentado, mas ele não é mais do que um companheiro para Moisés” (PIXLEY, 1987, p. 27). A missão é de Moisés e não de Arão. Arão é alguém que ajudaria Moisés neste processo. Assim, Deus “não descartou Moisés por causa da sua dureza” (KNIGHT, 1977, p. 21).
No ministério pastoral nós enfrentamos muitas situações nas quais sentimos medo e precisamos de pessoas (amigos/as) para nos ajudar a vencer essa barreira. Por exemplo, eu nunca vou esquecer da experiência que passei em meu primeiro ano de ministério pastoral. Um membro da minha igreja veio até mim dizendo que seu marido havia chegado em casa com o carro amaçado na frente, e que ela viu cabelos grudados ao sangue no para-choque. Enquanto cozinhava, ela ouvia rádio e escutou uma reportagem dizendo de um acidente na rodovia, que um carro havia atropelado um homem, que morreu na hora, e que o motorista não havia parado para socorrer. Ela vem a mim e conta tudo. Como um pastor, que votou voto e obediência a Deus pela justiça, resolvi ir conversar com este homem que tinha fama de matador. Mas antes de ir eu disse para Deus: “eu vou, mas não sozinho, preciso de alguns companheiros”. Quem iria falar com o homem era eu, e não meus companheiros, mas a presença deles me enchia de coragem. Moisés conhecia não somente a fama de Moisés, mas também suas ações como político poderoso.
Assim Deus não somente dá a Moisés um companheiro, mas também um cajado, com qual poderia realizar sinais maravilhosos (Êx 4:2). O cajado era um símbolo muito importante da práxis pastoral de Moisés. Esta palavra aparece 22 em Êxodo. “O cajado de Moisés é um atributo simbólico válido para aquele que pastorearia uma nação para fora do Egito” (Wildavsky 1984:38). O cajado era um símbolo e um instrumento. Em Meribá, o povo reclama contra Moisés e Arão. E Deus disse assim:
8 Toma a vara, e ajunta a congregação, tu e Arão, teu irmão, e falai à rocha perante os seus olhos, que ela dê as suas águas. Assim lhes tirarás água da rocha, e darás a beber à congregação e aos seus animais. 9 Moisés, pois, tomou a vara de diante do senhor, como este lhe ordenou. 10 Moisés e Arão reuniram a assembleia diante da rocha, e Moisés disse-lhes: Ouvi agora, rebeldes! Porventura tiraremos água desta rocha para vós? 11 Então Moisés levantou a mão, e feriu a rocha duas vezes com a sua vara, e saiu água copiosamente, e a congregação bebeu, e os seus animais (Nm 20:8-11).
Deus disse “fale à rocha”. Mas Moisés por sua conta e risco bate nela duas vezes, num ato de desobediência. Como resultado, Deus disse para ele e seu irmão: “Pelo que o Senhor disse a Moisés e a Arão: Porquanto não me crestes a mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes dei” (Nm 20:12).
Em nossa práxis ministerial nós não temos o direito de usar os nossos “cajados” como instrumento de poder, raiva e ambição. Depois destas crises de identidade pessoal, identidade de Deus e seu povo, autoridade, inadequação-influência e medo, Moisés finalmente...
18 Então partiu Moisés, e voltando para Jetro, seu sogro, disse-lhe: Deixa-me, peço-te, voltar a meus irmãos, que estão no Egito, para ver se ainda vivem. Disse, pois, Jetro a Moisés: Vai-te em paz. 19 Disse também o Senhor a Moisés em Midiã: Vai, volta para o Egito; porque morreram todos os que procuravam tirar-te a vida.
Moisés pega sua esposa, filhos, jumentos e volta para a terra do Egito, e ele tinha um cajado em suas mãos.
Por que é importante entender as crises de Moisés? Aaron Wildavsky nos dá uma excelente resposta, dizendo que “sem libertar-se de suas próprias dúvidas, Moisés não poderia liderar os Israelitas para fora da escravidão” (1984:26). Assim, do seu chamado precisamos ir para a sua resposta.
2. Humanidade: sucesso e fracasso na vida de um líder
Moisés é um excelente estudo de caso de liderança. Ele não foi um homem perfeito, mas sua experiência e ministério nos fornece excelente lições a serem aprendidas. Moisés foi um líder que experimentou sucesso e fracasso, vitória e desapontamento, crises e soluções. Antes de tudo, ele era um ser humano, cheio de paixões, ansiedade, ira, sofrimentos e medo. Quando nós estudamos somente os casos de líderes bem-sucedidos, nós corremos o risco de nos tornarmos excessivamente idealísticos e irreais. Nós precisamos estudar líderes que foram humildes o suficiente para reconhecer seus erros e quedas. Moisés foi alguém que experimentou ambos, vitória e fracasso. Apesar de tudo isso, a Bíblia nos afirma que Moisés era, em seu caráter, um homem de Deus.
2.1. O caráter como homem de deus
“Esta é a bênção que Moisés, homem de Deus, deu aos filhos de Israel, antes da sua morte” (Dt 33:1).
“...como escrito na Lei de Moisés, homem de Deus” (Ed 3:2).
Precisamos cuidar da nossa integridade e Deus cuidará da nossa reputação. Muitas vezes invertemos esse processo. Nós queremos cuidar da nossa reputação e deixamos de lado nossa integridade. Reputação sem integridade é escândalo. Moisés foi um homem de integridade, força e caráter. Por que Moisés foi um considerado um homem de Deus?
2.1.1. Fidelidade
“o qual é fiel aquele que o constituiu, como também o era Moisés em toda a casa de Deus” ... “E Moisés era fiel em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas” (Hb 3:2, 5).
Este verso nos mostra que a fidelidade de Moisés é espelhada em Deus, e no Sumo Sacerdote Jesus, o qual é fiel aquele que o constituiu. Moisés também é encontrado fiel na tarefa pela qual foi designado, em toda a casa de Deus. Paulo diz que “o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (1 Co 4:2). Fidelidade e eficiência demonstram nossa lealdade para com Deus como também nosso desejo de buscar o melhor para Deus. Encontramos líderes que são fiéis mas não são eficazes. Por outro lado, encontramos líderes que são eficazes, mas não são fiéis. Nosso alvo deve ser o de integrar ambos, como Moisés fez em seu ministério.
Em Hebreus 11:23-29 nós podemos ver como Moisés é classificado como alguém que realmente viveu e trabalhou pela fé. O texto diz:
23 Pela fé Moisés, logo ao nascer, foi escondido por seus pais durante três meses, porque viram que o menino era formoso; e não temeram o decreto do rei. 24 Pela fé Moisés, sendo já homem, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, 25 escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que ter por algum tempo o gozo do pecado, 26 tendo por maiores riquezas o opróbrio de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa. 27 Pela fé deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como quem vê aquele que é invisível. 28 Pela fé celebrou a páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor dos primogênitos não lhes tocasse. 29 Pela fé os israelitas atravessaram o Mar Vermelho, como por terra seca; e tentando isso os egípcios, foram afogados.
2.1.2. Servo
“Assim, morreu ali Moisés, servo do Senhor...” (Dt 34:5).
“...Lei de Deus, que foi dada por intermédio de Moisés, servo de Deus...” (Ne 10:29).
“...escritas na Lei de Moisés, servo de Deus...” (Dn 9:11).
“Lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo...” (Ml 4:4).
“E Moisés era fiel em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas” (Hb 3:5).
“e entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus...” (Ap. 15:3)
Ser um servo é uma condição para todas aquelas pessoas que desejam ser líderes. Moisés era um servo. Somente um servo pode suportar todas as circunstâncias que Moisés passou. O povo o confrontou, negligenciou, desobedeceu e o traiu, mas Moisés continua liderando-os para conquistar a terra prometida e sua liberdade. Ele foi chamado por Deus “meu servo” (Ml 4:4). Muitos líderes preocupam-se sobre como o povo os chama (pastor, reverendo, mestre, doutor), do que sobre como Deus pensa a nosso respeito. Precisamos sempre nos lembrar que Deus assim deseja dizer a nosso respeito: “Muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mt 25:21). Liderança é serviço em ação para aquelas pessoas as quais Deus nos deu a responsabilidade de cuidar. Por isso, imitamos Jesus, que disse que “o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:45). Líderes são pessoas que devem “andar como ele andou” (1 Jo 2:6).
2.1.3. Humildade
“Ora, Moisés era homem mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra” (Nm 12:3.)
Como um homem de Deus Moisés foi um servo humilde. A Bíblia diz que “Ele [Deus] escarnece dos escarnecedores, mas dá graça aos humildes” (Pv 3:34). E também que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte” (1 Pe 5:5-6). Uma das questões centrais na vida do Faraó era o orgulho. Moisés e Aarão precisaram confrontá-lo, dizendo, “Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: Até quando recusarás humilhar-te diante de mim? Deixa ir o meu povo, para que me sirva” (Êx 10:3). O testemunho bíblico sobre Moisés, nesta questão da humildade, é incrível Afirma que este homem “era homem muito humilde, mais do que todos os homens que havia sobre a terra” (Nm 12:3)
2.1.4. Oração
Ação pastoral sem oração é o mesmo que ação sem permissão. A maioria dos pastores sofre nesta área de suas vidas. Os dois principais problemas na vida dos pastores são: a falta de atenção na sua espiritualidade e a falta de atenção na vida de sua família. Moisés ajuda-nos a entender quão crucial é a oração no ministério, especialmente em relação a aquelas pessoas que são osso duro de roer, que nos traíram. Moisés ora pelo povo, e por seu irmão Aarão, que o traiu incitando povo. Diante desta trágica experiência Moisés disse:
18 Prostrei-me perante o Senhor, como antes, quarenta dias e quarenta noites; não comi pão, nem bebi água, por causa de todo o vosso pecado que havíeis cometido, fazendo o que era mau aos olhos do Senhor, para o provocar a ira. 19 Porque temi por causa da ira e do furor com que o Senhor estava irado contra vós para vos destruir; porém ainda essa vez o Senhor me ouviu. 20 O Senhor se irou muito contra Arão para o destruir; mas também orei a favor de Arão ao mesmo tempo. 21 Então eu tomei o vosso pecado, o bezerro que tínheis feito, e o queimei a fogo e o pisei, moendo-o bem, até que se desfez em pó; e o seu pó lancei no ribeiro que descia do monte. 22 Igualmente em Taberá, e em Massá, e em Quibrote-Hataavá provocastes à ira o Senhor. 23 Quando também o Senhor vos enviou de Cades-Barnéia, dizendo: Subi, e possuí a terra que vos dei; vós vos rebelastes contra o mandado do Senhor vosso Deus, e não o crestes, e não obedecestes à sua voz. 24 Tendes sido rebeldes contra o Senhor desde o dia em que vos conheci. 25 Assim me prostrei perante o Senhor; quarenta dias e quarenta noites estive prostrado, porquanto o Senhor ameaçara destruir-vos. 26 Orei ao Senhor, dizendo: ó Senhor Jeová, não destruas o teu povo, a tua herança, que resgataste com a tua grandeza, que tiraste do Egito com mão forte. 27 Lembra-te dos teus servos, Abraão, Isaque e Jacó; não atentes para a dureza deste povo, nem para a sua iniqüidade, nem para o seu pecado; 28 para que o povo da terra de onde nos tiraste não diga: Porquanto o Senhor não pôde introduzi-los na terra que lhes prometera, passou a odiá-los, e os tirou para os matar no deserto. 29 Todavia são eles o teu povo, a sua herança, que tiraste com a sua grande força e com o teu braço estendido. (Dt 9:18-29)
Na tarefa da liderança pastoral nós facilmente corremos o risco de transformar amor em ódio. Quanto pastores que passaram por igrejas e experimentaram essa relação. Como resultado, muitos pastorados passam a ser desenvolvidos na base da frustração. A oração não somente é um poderoso instrumento no ministério, mas também nos torna mais silente e mais dependente de Deus. Também permite que coloquemos nossas dores, frustrações e qualquer sentimento de traição nas mãos de Deus. Somente assim podemos vencer essas situações e sentimentos. Se falharmos nesse processo, a derrota nos espera.
2.1.5. Profeta
“E nunca mais se levantou em Israel profeta como Moisés, a quem o Senhor conhecesse face a face, nem semelhante em todos os sinais e maravilhas que o Senhor o enviou para fazer na terra do Egito, a Faraó: e a todos os seus servos, e a toda a sua terra; e em tudo o que Moisés operou com mão forte, e com grande espanto, aos olhos de todo o Israel” (Dt 34:10-12).
Moisés não somente era o homem mais humilde da face da terra. Mas também um profeta sem igual em Israel. No início Moisés teve problemas para aceitar o ofício de profeta. Mesmo que Deus tenha dito que o ajudaria a falar e o ensinaria o que ele deveria falar (Êx 4:12). Moisés rapidamente recusou. E neste contexto, Deus disse: “Eis que te tenho posto como Deus a Faraó, e Arão, teu irmão, será o teu profeta” (Êx 7:1). Moisés era para ser o profeta e não Arão. Moisés logo aprendeu que Deus era mais poderoso que Faraó e ele mesmo torna-se o homem “a quem o Senhor conheceu face a face” (Dt 34:10). Esta era a fonte da sua autoridade: o próprio Deus.
2.1.6. Realizador
“E em tudo o que Moisés operou com mão forte, e com grande espanto, aos olhos de todo o Israel” (Dt 34:10).
Finalmente, Moisés foi um homem que realizou obras maravilhosas (de poder). Ele era não somente humilde, não somente o maior profeta, não somente conheceu o Senhor face a face, mas também “em tudo operou com mão forte, e com grande espanto, aos olhos de todo o Israel” (Dt 34:10). Ou seja, Moisés foi um homem de ação-poder. E isto fluía do seu relacionamento com Deus. Assim ele demonstrou consistência e integridade em sua vida.
Práxis é central na liderança pastoral. Em Deus nós somos equipados por seu poderoso poder não somente para influenciar positivamente outros como também realizar obras que trarão honra ao seu nome.
2.2. Fracasso e desapontamento
Liderança não somente uma vida de sucesso. Fracasso e desapontamento também fazem parte da vida dos líderes. Em Números 20:2-13 nós vemos o fracasso de Moisés em Meribá. Deus disse para Moisés,
8 Toma a vara, e ajunta a congregação, tu e Arão, teu irmão, e falai à rocha perante os seus olhos, que ela dê as suas águas. Assim lhes tirarás água da rocha, e darás a beber à congregação e aos seus animais. 9 Moisés, pois, tomou a vara de diante do senhor, como este lhe ordenou. 10 Moisés e Arão reuniram a assembleia diante da rocha, e Moisés disse-lhes: Ouvi agora, rebeldes! Porventura tiraremos água desta rocha para vós? 11 Então Moisés levantou a mão, e feriu a rocha duas vezes com a sua vara, e saiu água copiosamente, e a congregação bebeu, e os seus animais. 12 Pelo que o Senhor disse a Moisés e a Arão: Porquanto não me crestes a mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes dei. 13 Estas são as águas de Meribá, porque ali os filhos de Israel contenderam com o Senhor, que neles se santificou (Nm 20:8-13).
Deus disse para Moisés, falai à rocha, mas Moisés, em sua ira, bateu (feriu) na rocha duas vezes com a vara. Como resultado, Deus deu a seguinte sentença: “Porquanto não me crestes a mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes dei” (Nm 20:12). Assim, Moisés e outras pessoas não entrariam na terra prometida. Muitas discussões existem sobre o porquê disto. Menciono quatro delas:
2.2.1. Abuso de poder e da liderança
Moisés foi chamado por Deus para ser seu servo. Enquanto ele se comportou como servo, Deus concedeu a ele sucesso e vitória. Mas em Meribá Moisés tomou vantagem da sua autoridade como líder e usou a liderança como forma de poder. Wildavsky (1984, p. 156) observa que:
Moisés não somente distanciou-se de Deus duvidando da capacidade da sua obra, mas também se distanciou do povo assumindo um poder como se fosse de Deus.
Moisés quis mostrar seu poder em frente de todos os Israelitas. Com essa atitude, ele desonrou Deus como o único santo aos olhos dos Israelitas. Se ele tivesse somente falado com a rocha, Deus o teria honrado. Mas com sua atitude, Moisés queria honrar a si próprio. Esta questão é central na liderança. Como líderes nós somos tentados a pensar que podemos resolver todos os problemas. Precisamos lembrar o que disse o Salmista:
11 Uma vez falou Deus, duas vezes tenho ouvido isto: que o poder pertence a Deus. 12 A ti também, Senhor, pertence a benignidade; pois retribuis a cada um segundo a sua obra.
As pessoas observam seus líderes. Ser um líder significa Ter a responsabilidade de ser um exemplo para eles. Não é uma tarefa fácil, mas é requerido para todas as pessoas que querem servir a Deus como líderes. Wildavsky (1984, p. 163). disse:
Para o bem ou para o mal, suas obras (e talvez mais do que as palavras) falam por eles. Líderes são também mestres no sentido em que seus comportamentos constituem um exemplo que os seguidores observam...eles aprenderão. O senhor ira-se porque Moisés ensinou uma lição errada – ira sobre deliberação, força e não persuasão, divisão e não unidade, rebelião e não fé.
Assumindo que ele e seu irmão eram muito poderosos, o próximo passo foi inevitável: autoadmiração e auto adoração
2.2.2. Autoadmiração e auto adoração
Moisés e Arão estavam conscientes a respeito do que Deus havia afirmado no passado, “nenhum de todos os homens que viram a minha glória e os sinais que fiz no Egito e no deserto, e todavia me tentaram estas dez vezes, não obedecendo à minha voz, nenhum deles verá a terra que com juramento prometi o seus pais; nenhum daqueles que me desprezaram a verá” (Nm 14:22-23). Deus é o único a ser adorado. Ninguém pode usurpar a glória de Deus. De acordo com Números 20:10, Moisés e Arão ajuntaram o povo em assembleia na frente da rocha e Moisés disse a eles: “Ouvi agora, rebeldes! Porventura tiraremos água desta rocha para vós?” Tiraremos? Quem, Moisés e Arão ou Moisés e Deus? Não importa. O que importa é que “Moisés foi culpado pela mais terrível forma de idolatria – a auto adoração” (Wildavsky 1984:163). Isto significa que Moisés assumiu o lugar de Deus.
2.2.3. Força por fé
Quando Moisés bateu na rocha duas vezes, Deus disse a ele, “não me crestes a mim [o suficiente]” (Nm 20:12). Fé, como já vimos, foi uma característica forte na vida e ministério deste líder. Ele usou o cajado com fé. Ele foi a Faraó por fé. Deixou o Egito pela fé. Cruzou o mar vermelho e dirigiu o povo a uma terra seca pela fé. Mas agora, desafortunadamente, ele desobedeceu à voz de Deus e usou o cajado não com fé, mas com sua própria força e poder. Ele não creu em Deus o suficiente. “Em vez de exortar um povo de dura cerviz para ter uma grande fé, Moisés condescendeu ao pedido deles com uma atitude arrogante” (1984, p. 156).
Em Marcos 10 Jesus nos ensina a usar o poder como um instrumento de serviço e não como um instrumento par ser serviço.
2.2.4. Continuidade e descontinuidade
Continuidade e descontinuidade referem-se a um inevitável processo na vida de qualquer líder. Descontinuidade é a falta de conexão com alguma coisa ou algo relacionado ao passado. Esta falta de conexão pode ser por um processo natural ou radical de intervenção (como a por exemplo a morte); através de uma intervenção positiva, como por exemplo, quando líderes se mudam ou através de um novo desafio em suas vidas, ou por meio de uma intervenção negativa, como más atitudes, mau caráter e desobediência.
Continuidade é o elo de conexão com alguma coisa ou algo relacionado ao presente e futuro. Na vida de Moisés podemos ver claramente este processo de continuidade e descontinuidade. Sua desobediência acelerou o processo no qual afetou sua liderança. Definitivamente isto veio da sua falta de fé. Deus disse a Moisés, “Porquanto não me crestes a mim, para me santificardes diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta congregação na terra que lhes dei” (Nm 20:12). Disse Deus ainda, “porquanto no deserto de Zim, na contenda da congregação, fostes rebeldes à minha palavra, não me santificando diante dos seus olhos, no tocante às águas (estas são as águas de Meribá de Cades, no deserto de Zim)” (Nm 27:14).
Mesmo que Moisés tenha falhado em obedecer a Deus, ele teve uma incrível preocupação para com o povo. Moisés pediu a Deus um líder para ficar em seu lugar. Isto nos mostra que sua preocupação para com o povo era maior do que sua preocupação para ele mesmo. O povo não poderia viver como ovelhas que não tem pastor. Por causa disso, Deus chamou Josué para ser o sucessor de Moisés, para continuar o processo de libertação que Deus havia começou no Egito. Como mencionado anteriormente, Moisés demonstra sua humildade agindo desta forma. Moisés disse a Deus, “Que o senhor, Deus dos espíritos de toda a carne, ponha um homem sobre a congregação, o qual saia diante deles e entre diante deles, e os faça sair e os faça entrar; para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor” (Nm 27:15-17).
Uma das grandes lições na vida e liderança de Moisés que devemos aprender é esta: “líderes de pessoas livres não deveriam ser figuras cúlticas”. A esta tentação Jesus respondeu: “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele darás culto” (Lc 4:8).
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