Por Jorge Henrique Barro
Por que a igreja precisa das escolas teológicas? Essa pergunta insiste em perdurar, feitas especialmente pelos pastores e líderes eclesiásticos. Algumas razões...
1. Os crentes incrédulos
A experiência de muitos vocacionados que foram às escolas teológicas revela que vários deles se perderam ao longo da jornada. Alguns alegam que entraram crentes e depois saíram não crendo em partes da Palavra de Deus. Entraram com ardor evangelístico e saíram sem amor pelos perdidos. Tinham uma espiritualidade fervorosa e se transformaram em críticos de tudo e todos. Essas são algumas causas que foram gerando o descrédito das escolas de teologia.
3. Igrejas que se afundam e estagnam
Ao voltar para a igreja esses novos pastores não sabiam conduzir o rebanho. Sabiam pregar, dar bons estudos bíblicos, mas se a experiência prática ministerial. Revelaram desconhecimento das relações interpessoais. Não souberam lidar comas as tradições e tradicionalismos denominacionais e locais. Muita confusão foi gerada, igrejas divididas, rachas e tempo consumido com questões não essenciais à vida da igreja. Culpa de claro? É claro, das escolas teológicas, dizem os críticos.
3. Preparação global e não apenas local
A igreja deseja que seu candidato tenha uma formação para ela mesma – local. Mas esse candidato entrará em contato com muitas outras teorias, conceitos, valores, teologias que estão para além dessa comunidade local. Resultado: crítica as escolas teológicas de fazerem a cabeça do aluno e estragarem seus meninos.
Apresenta essas breves pistas que levam as igrejas e líderes eclesiásticos questionaram a razão de existir das escolas teológicas. É claro que existem muitas outras que a brevidade desse artigo não permite tratar.
Por outro lado, as escolas teológicas insistem em demonstrar que a igreja a igreja precisa delas? Por quê? Algumas razões...
1. O crescimento da superficialidade
Iludidos pelo crescimento numérico da igreja, pastores e líderes estão se tornando cada vez mais pragmáticos, imediatistas, voltados para resultados, não se importando com os meios para conseguir realizar seus projetos e sonhos. Resultado: uma igreja imatura, analfabeta de Bíblia, com ênfase na emoção, cheia de gente vazia. As escolas teológicas criticam a falta de visão e crescimento teológico desses pastores.
2. Os senhores do engenho (igreja)
A igreja envia seus candidatos e espera que eles voltem com a mesma cabeça para ser o que a igreja quer que eles sejam. Resultado: voltam diferentes e em vários casos, com mais conhecimento do que o próprio pastor que possivelmente, já experimenta uma estagnação ministerial, num ministério de manutenção. Esse novo pastor chega com gás, ânimo, desejo de fazer as coisas, de transformar, e bate de frente com os que estão no poder. Esses querem que esse jovem pastor reze a cartilha deles. E alguns por não fazerem isso, são tidos como desobedientes e insubordinados. Culpa de quem? Das escolas teológicas, é claro! Por detrás dessas atitudes está o pastor que não quer poder seus status e poder na igreja. Estão também aqueles que fazem parte do segundo escalão que não querem que esse jovem pastor chegue perto deles. Ele então passa a ser uma ameaça para esses líderes, que em muitos casos, não pouparão críticas com o objetivo de barrar sua influência na igreja.
3. Espiritualidade não acadêmica
As escolas teológicas criticam os pastores por não investirem no processo contínuo de sua formação. Vários ficaram com o bacharelado em Teologia e outros nem isso possuem. Muitos afirmam que para ser pastor basta ser fiel a Deus e orar. Dizem que a academia conspira contra a igreja e a espiritualidade. Resultado: não enviam alunos para as escolas teológicas, exigindo que eles sejam como são seus pastores. Essa igreja certamente pode ter uma espiritualidade fervorosa com base nas emoções, porém falha em conhecimento.
O quem sido feito como consequências dessas questões?
As igrejas estão passando a não enviar os candidatos ao ministério pastoral para as escolas teológicas. Justamente por não quererem perder o controle deles, seja no sentido espiritual, conceitual ou ministerial. Passam a treinar os mesmos nos seus próprios moldes. Criam o que chamam escola de líderes, escola de pastores, instituto de liderança etc. e forçam seus meninos a submeterem sob a pena de não seguirem adiante.
Para isso precisam de modelos eclesiásticos centralizadores. Os que conseguiram chegar lá, agora fazem de tudo para manter o poder. Só compartilham o poder em certo nível, desde que ele seja para o crescimento da igreja. É o caso das células. Como o corpo pastoral já está estabelecido e garantido, resta a liderança de grupos como as células. Para isso tem treinamento específico, dado pela própria igreja. Resultado: são vocações pastorais abortadas e não enviam para as escolas teológicas.
Se essas irmãs gêmeas não se entenderem, certamente será um desastre para ambas. No reino de Deus é necessário viver e trabalhar em parceria com base na unidade de Cristo. Apresento aqui algumas pautas simples para que essa relação seja saudável, amorosa e frutífera.
Ambas precisam se perceber como parceiras no e do Reino
Competição sempre foi e sempre será um desastre para igrejas, pastores e líderes. É necessário haver uma aproximação intencional de ambas as partes. Por parte da igreja pode se incentivar a orar pelas escolas, levar seus membros para conhecê-la, adotar seminaristas, convidar os professores para dar cursos na igreja, pregar, testemunhar. As escolas deem abrir espaço para escutar os pastores, suas necessidades, suas preocupações, ter também programas para eles, incentivar a formação continuada deles. Sem essa parceria ambas irão padecer. A igreja não tem todos os dons, talentos e ferramentas para preparar um pastor, ainda que ela pensa que possa fazer isso sem as escolas teológicas. A barreira delas é o próprio limite. As escolas teológicas não podem preparar seus futuros pastores sem diálogo e conhecimento das igrejas e suas necessidades.
Alguns desafios são:
1. Os professores precisam estar envolvidos nas igrejas locais
O mundo da academia não pode acontecer isolado da igreja. Como esses professores que preparam os futuros pastores das igrejas podem capacitá-los sem estar dentro da igreja. Essa é sem dúvida uma das principais causas dessas desconfianças.
Uma escola fazia sempre essa pergunta ao entrevistar futuros professores de teologia:
Como que o seu curso ajudaria a preparar os estudantes para o ministério?” Esta questão consistentemente era feita para candidatos recém-graduados que estavam sendo entrevistando para uma posição em nossa faculdade teológica. Os candidatos eram brilhantes. Poderiam mapear suas disciplinas com precisão, e se preocupavam profundamente com o papel da religião na sociedade. Mas, mesmo aqueles que queriam dar aulas em uma escola teológica, tropeçavam quando perguntávamos: “O que você acha que os ministros realmente precisam saber sobre sua área de estudo, a fim de conduzir as pessoas na vida de fé e ação? Como você ajudar os alunos a aprender essas coisas?” Suas respostas desastradas demonstravam algo que os veteranos teólogos educadores sabiam em primeira mão - como é difícil conectar a especialização acadêmica com o profundo trabalho de formar os estudantes para o ministério cristão (http://www.religion-online.org/showarticle.asp?title=3487).
As escolas teológicas precisam desenvolver um quadro docente profundamente comprometido com a igreja local. Isso deve ser estabelecido desde o processo de contratação dele. Sem essa condição, eu não vejo lugar para esse docente na escola. Alguns podem argumentar: “mas existem certas disciplinas que não exigem isso”. Quais? Grego, hebraico? Introdução a Sociologia etc. Não se trata de disciplina avulsa, mas de um processo pedagógico que é construído de forma integradora. Tudo na escola de teologia é construído a partir do perfil do egresso. Ou seja, o perfil se deseja formar nesse futuro líder e pastor. Esse perfil certamente passa pela igreja. Não existe mais lugar para o teólogo de balcão (John Mackay). O teólogo sem a igreja é um perigo, porque seu compromisso não inclui a mesma. Teologia se faz com a igreja. Não se faz para ela, se faz para a missão de Deus. A igreja não é fim da missão, ao contraio, ela é o começo (“de Jerusalém aos confins da terra”).
2. Escolas com visão missiológica
Outro causa do profundo descrédito das escolas teológicas é seu descompromisso com a missão de Deus. No passado (e ainda em certos círculos) formava-se o pastor para a igreja. Que tremendo tem sido esse desastre na vida da igreja até hoje. O resultado foi formar pastores encharcados da denominação, mas sem visão missiológica. Algumas denominações tomaram a decisão de não enviar candidatos para as os seminários porque havia um superávit pastoral, ou seja, mais pastores que igrejas. Isso é um absurdo! Em vez de mudar a matruz curricular e incluir disciplinas missiológicas, de plantação e crescimento de igreja, de incentivar os alunos a participar de projetos missionários, de plantação de igrejas, simplesmente deixaram de enviar. O preço dessa atitude será muito caro no futuro próximo.
Qual a razão de uma escola teológica existir? Em minha opinião, a missão de Deus. Se Deus não tivesse uma missão no mundo, não seria necessário ter escolas de teologia. Mas como Ele tem, então a razão de existir deve ser a de preparar homens e mulheres para cumprirem e serem agentes da missão de Deus ao mundo. Isso também deve colocar a igreja no seu devido lugar. A igreja não é razão da escola de teologia. Ela é a parceira de Deus para a Sua missão. A igreja, por meio de seus pastores e líderes, que barra vocações pastorais, não está contra a escola de teologia, está contra a própria missão de Deus e terá que prestar contas para Ele.
3. De senhores do engenho para pastores do Reino
Antes de me tornar professor eu já era e continuo sendo pastor. Pela graça de Deus tenho tido o privilégio de viver nessas duas arenas: a igreja e a escola de teologia. Sou apaixonado por ambas. Amo a igreja de Deus que é comprada pelo sangue de Jesus (At 20:28) e amo essa casa de profetas cuja tradição remonta esses 21 séculos de existência.
4. Supervisão ministerial
Supervisão ministerial é o método de fazer e refletir o ministério no qual o supervisor (professor) e um ou mais supervisionados (alunos) pactuam juntos em refletir criticamente sobre seus ministérios como um modo de crescer em autoconscientização, competências ministeriais, entendimento teológico e compromisso cristão (Pohly, 2001 p. 107-108).
Além do crescimento em (1) auto-concientização, (2) competências ministeriais, (3) entendimento teológico e (4) compromisso cristão, penso ser necessário adicionar o tema da espiritualidade. O propósito da supervisão é formacional, focando na integração entre teoria e prática.
O processo de preparação para o ministério inclui pelo menos seis dimensões:
O alvo é imergir o estudante neste processo integral de formação com a esperança de que, ao final do seu treinamento teológico, ele seja suficientemente preparado para iniciar seu ministério. É claro que formação é um processo para a vida toda e continua depois que o estudante completa seus estudos teológicos. Algum tipo de suporte é necessário ter para acompanhar o graduado nesse processo contínuo de formação.
Estamos conscientes de que existe uma fragmentação na formação teológica, que é o gap (distância) entre escola (formação) e a igreja (principal lócus ministerial). Para responder a esse gap é necessário supervisão ministerial para promover a integração entre a formação acadêmica e a formação ministerial. Em instituições teológicas, onde pessoas estão sendo formadas e treinadas para exercer liderança na igreja e comunidade, supervisão ministerial, como um veículo criativo para a reflexão teológica, cria ideias, entendimento e profundidade para tal liderança. Supervisão ministerial capacita os estudantes para tal tarefa. A experiência da supervisão ministerial, especialmente no contexto da reflexão teológica, poderá capacitar o estudante para ter algumas habilidades de auto supervisão (autonomia) de seus ministérios depois da graduação.
Creio que é necessário entendermos a supervisão ministerial não como sendo mais uma atividade da escola, mas como um processo de reflexão teológica. O que significa isso? Vejamos um modelo educacional de supervisão para reflexão teológica e quais são algumas características que faz da supervisão um veículo de integração entre teoria e prática.
As áreas da Supervisão Ministerial são (1) Desenvolvimento de habilidades; (2) crescimento pessoal (espiritualidade); (3) consciência contextual (cultural, social, histórica etc.); (4) consciência teológica.
1. Desenvolvimento de habilidades
A ênfase aqui é no desenvolvimento de habilidades relativas ao ministério. Envolve aprender técnicas e abordagens de cuidado e aconselhamento pastoral, conduzir casamentos e funerais, culto e administração, relacionamentos pessoais, entre outros. O método educacional deve ser didático e experimental. O alvo da supervisão é desenvolver habilidades. Desenvolvimento de habilidades é importante para o ensino teológico. Para que o ensino seja eficiente usualmente requer a implementação de habilidades.
2. Crescimento pessoal (espiritualidade)
A ênfase aqui é no processo e desenvolvimento da espiritualidade do estudante. Envolve um programa organizado para esse fim. Não se trata apenas do uso de técnicas das chamadas disciplinas espirituais, mas um processo de formação. O alvo da supervisão é fazer o estudante perceber sua própria espiritualidade e como ela está relacionada e a serviço da missio Dei.
3. Consciência contextual (cultural, social, histórica etc.)
A ênfase aqui é na integração com outras áreas complementares à Teologia. Envolve a habilidade do supervisor para conduzir o estudante no crescimento de uma consciência crítica. O alvo da supervisão é ajudar o estudante a ter ferramentas práticas de leitura e análise das realidades e contextos da missão.
4. Consciência teológica
A ênfase aqui é no conteúdo da aprendizagem. Envolve especialmente uma compreensão ampla e profunda da missão integral e do compromisso com ela na formação das comunidades. O alvo da supervisão é desenvolver consciência e ambientes para a prática da missão integral.
Compreendido o que significa supervisão ministerial e quais são áreas cruciais de atuação, penso ser necessário refletir sobre como a mesma deveria ser aplicada no contexto da FTSA. Para isso, proponho pensarmos à luz das quatro áreas curriculares atuais e suas disciplinas correspondentes. Para cada área curricular proponha as seguintes perguntas:
- Em relação aos estudantes:
- Em relação ao supervisor ministerial
Como refletir e analisar criticamente os ministérios (ou prática) dos estudantes para que possam desenvolver suas habilidades, crescer pessoalmente (espiritualidade), desenvolver consciência contextual e teológica?
- Implicações
Essas são algumas maneiras práticas para diminuir as possíveis distâncias (gap) entre a escola de teologia e a igreja. Certamente isso necessita de esforças de ambas as partes. Esses esforços passam pelo reconhecimento que ambas são necessárias a ambas e juntas são parceiras no Reino de Deus. A palavra de ordem não é competição, mas cooperação. Cooperação porque ambas são limitas e devem complementar uma a outra. Vencida a barreira relacional¸ outra barreira já nos espera: o tempo limitado de todos. Pastores e professores são pessoas muito ocupadas. As demandas são imensas. Não é fácil pata um docente, com atividades administrativas, dispor de tempo para participar da vida da igreja. Do mesmo modo, os pastores com todas as suas exigências, dispor de tempo para estar na escola. Porém, faz-se necessários buscarmos formas criativas de superação desses desafios. Ambas são responsáveis pela supervisão ministerial do estudante. Implica em ajudar e auxiliar o estudante a ter um quadro descritivo, discernindo seus pontos e fracos da mesma e participando na construção de uma identidade missional comprometida com a integralidade do Evangelho. Para isso, esse estudante precisará conhecer a si mesmo, ter clareza de suas competências, ferramentas de análise de conjuntura e profundidade bíblico-teológica. No nosso caso, FTSA, não temos condições de conhecer todas as realidades in loco de todas as comunidades dos de seus estudantes. Por isso a importância da supervisão ministerial que nos possibilitará conhecer as mesmas através de seus estudantes.
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Bibliografia
POHLY, Kennth. The ministry of supervision: transforming the rough places. Providence House: Franklin, TN, 2001.
http://www.religion-online.org/showarticle.asp?title=3487.